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A passagem

O trabalho de Alcir Guedes descreve ainda como um irmão de Isaura de Oliveira Borges, identificado apenas como Benedito na reportagem, percebeu a morte de Nhô João de Camargo: "Naquele tempo, nossa família morava na rua Guaianazes. Meu irmão Benedito, quando tirava água do poço, largou da corda, olhou para o céu e gritou para a família: Venham todos ver! Os anjos da guarda estão levando Nhô João de Camargo".

Foram à capela. De fato, o ex-escravo estava morto. Era o dia vinte e oito de Setembro de 1942. Nhô João de Camargo deixava esta existência exatos 84 anos, dois meses e 23 dias depois do seu batismo.

Na pesquisa de Paulo Tortello, informar-se que o necrológico do "preto velho e bom da Água Vermelha" vinha assinado por Jrandyr Baddini Rocha, redator-chefe do jornal Cruzeiro do Sul, que mancheteara no alto da primeira página: Morreu João de Camargo.

Quem assistiu, conta que o enterro foi um dos mais concorridos da história de Sorocaba. Uma dessas testemunhas entrevistadas por Alcir Guedes foi Antônio Moreno Borges. Segundo ele, uma multidão - cerca de seis mil pessoas, o maior féretro já registrado até então na cidade - acompanhou orando o sepultamento de Nhô João: a imensa maioria composta de pessoas pobres e humildes, do povo sofrido a quem Nhô João dedicou seu trabalho. Mas havia também alguns carros, raros na época, pertencentes a pessoas mais abastadas, a quem Nhô João também nunca negou auxílio.

O caixão foi levado nas mãos de populares. Segundo Antônio declarou a Guedes, pouco antes do caixão passar à sua frente, as portas da Catedral foram fechadas, pois não se queria que o corpo adentrasse a ela. Ele conta que o cortejo parou alguns instantes à frente da Catedral, mas apenas para que o caixão trocasse de mãos. Antônio narra: "Ninguém condenou os padres. Era uma ordem da própria igreja, que não recebia corpos de suicidas, de macumbeiros. Mas havia uma diferença com Nhô João: ele não era macumbeiro, não era assassino, não era suicida. Nada disso. Ele era um homem de coração muito bom. Era mais santo do que pecador e mais anjo do que humano. Foi uma injustiça que fizeram com ele".

Foi sepultado no Cemitério da Saudade. Cerca de seis anos depois, João Mena, devoto, erigiu sobre o túmulo uma reprodução da Capela do Senhor do Bonfim. O túmulo é, como a capelinha, ainda hoje muito procurado pelas pessoas, que deixam lá pedidos de toda ordem. Os devotos acendem velas, oram, meditam e deixam flores sobre o túmulo. Exatamente como Nhô João de Camargo fazia na Cruz do Alfredinho, cerca de cem anos atrás.

Escravo de Camargo Barros

Como todos os outros negros tirados á força da terra-mãe África, os antepassados de João deixaram identidade e memória nos porões de algum dos infames navios negreiros. Era só João. Como era escravo da família Camargo Barros, em cujas terras trabalhava, deles herdou o sobrenome. Virou João de Camargo Barros. O detalhe infamante: "de" do sobrenome pode ser entendido também como indicativo de propriedade. Era João de Camargo Barros, como o moinho de Camargo Barros, o campo de Camargo Barros...

Escravo não tem direito a memória, assim como não existe versão de quem perdeu a batalha. Os perdedores simplesmente perdem, não lhes é dado contar histórias. O que se sabe da ascendência de João?

Histórias e versões que se perdem no tempo. Resgatar a trajetória de qualquer ser humano no planeta é trabalho complicado, quanto mais a história de Nhô João, assunto que mexe com valores extremamente íntimos das pessoas, principalmente aquelas que o conheceram ainda em vida na Terra. Diversos autores, sorocabanos ou não, ocuparam - se de escrever essa rica e complexa biografia. Creio que todos tenham tido uma dificuldade comum:não raro, um mesmo episódio da vida de Nhô João aparece com duas ou mais versões, como costuma acontecer quando, lanterna na mão, retornamos ao passado em busca de uma história.Impreciso, envolto numa densa nuvem de incertezas, o passado se nos apresenta multifacetado, não raro confuso; não sendo improvável que algum dos autores - este inclusive - tenha derrapado em alguma das múltiplas armadilhas que se sucedem na pesquisa. 

Não que se atribua necessariamente dolo ou má-fé ao entrevistado ou fonte imprecisos. que assuntos dessa envergadura trazem consiga uma fonte carga de emoção e, nessas condições, é difícil manter a isenção e a precisão no fornecimento da informação solicitada. Portanto, é preciso garimpar, selecionar, classificar, armazenar, atribuir diferentes pesos e níveis de importância, e só a partir daí procurar esboçar o desenho lógico do texto.

Não se fie o leitor: todos estes cuidados garantem, no máximo, um erro diferente. Mas talvez haja algum acerto também. isto posto, vamos em frente. Entre outros que se dedicaram ao assunto temos Antônio Francisco Gaspar - autor do livro Cruzes e Capelinhas -, Fernando Antônio Lomardo e Sônia Castro - autores do livro O Solitário da Água Vermelha -, Paulo Tortello - membro do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba e da Academia Sorocaba de Letras, autor de fundamentada pesquisa sobre o tema, intitulada João de Camargo, o Milagreiro de Sorocaba -, Florestan Fernandes, Genésio Machado - autor do livro João de Camargo e seus Milagres - e A.C. Guerra da Cunha - que apresentou versões extremamente interessantes em artigo publicado no Jornal Diário de Sorocaba, em 1981-, além do Jornalista Alcir Guedes - que publicou uma série de quatro reportagens no extinto semanário A Cidade, em 1984. Podemos citar ainda Afolfo Frioli, Rogich Vieira e o professor Benedito Cleto. Há, certamente, outros autores que não foram alcançados por este trabalho.

O que sabemos do passado: nos idos de 1858, provavelmente em junho ou julho, nasceu um bebê do sexo masculino, a quem foi dado o nome de João, na fazenda do Cocais, de propriedade de Luís de Camargo Barros. Não há referências ao pai. Era filho da escrava Francisca, mais conhecida como Nhá Chica e, segundo o sociólogo Florestan Fernandes, "dada a práticas de curandeirismo". Já Fernando Antônio Lomardo e Sônia Castro mencionam a escrava como grande conhecedora de ervas e iniciadora de Nhô João no universo das curas espirituais. Voltando aos fatos: há também duas versões, sobre o destino inicial de Nhô João. No dizer de Fernando Antônio Lomardo e Sônia Castro: "negrinho dado para a família Camargo Barros com seis anos de idade e passou a ser pajem da recém-nascida da família, Emília Camargo Barros, de quem foi dedicado criado até seu casamento". No entanto, A.C. Guerra da Cunha, mencionado na pesquisa de Paulo Tortello, informa que Nhô João foi doado á família Camargo Barros com um mês de vida, já sendo sua propriedade quando do nascimento da menina.

Como não se sabe o dia exato, seu nascimento passou a ser comemorado no dia de seu batismo, que ocorreu na Igreja de Sarapuí em 5 de Julho de 1858, em cerimônia conduzida pelo Frei Jerônimo. Segundo Paulo Tortello, sua apresentadora foi Gertrudes de Barros, seu padrinho foi José de Camargo Barros e sua madrinha a Padroeira de Sarapuí, Nossa Senhora das Dores.

Já se mencionou acima que a "parte África", se é que a podemos chamar assim, de Nhô João foi herdada de sua mãe, a escrava Nhá Chica, que teria lhe transmitido seu repertório de valores, tradições e costumes. Por sua vez, a iniciação de Nhô João nos valores católicos foi feita dentro da casa da família Camargo Barros. A dupla Lomardo/Castro atribui essa função a Luís de Camargo Barros, dono de Nhô João. Já Tortello indica sua sinhá, D. Ana Tereza de Camargo, católica devota e praticante, como a iniciadora na religião. De qualquer maneira, as pistas da formação católica de Nhô João apontam coerentemente para dentro da casa dos Camargo Barros.

Depois do casamento de Emília ( A.C. Guerra da Cunha informa que seu nome completo era Emília Almeida de Camargo Barros ), Nhô João foi trabalhar na roça até chegar a Sorocaba, aos 22 anos de idade, no ano de 1880. Afirma - se que ele trabalhou, entre outros, com o médico Ignácio Pereira da Rocha, o engenheiro alemão identificado apenas como Dr. Cosme e Elias Lopes Monteiro. Tortello menciona ainda Deodoro Gonçalves e Waldomiro Baddini.

Depois da Abolição e da República, ficou livre. Sabe - se que esteve em Itararé no ano de 1893, servindo como voluntário no Batalhão Paulista que combateu a revolução de Gumercindo Saraiva. Após o retorno, consta que Nhô João foi trabalhar como camarada na propriedade de Justiniano Marçal de Souza. 

Prisões

A série de reportagens de Alcir Guedes informa que dezoito vezes João de Camargo Barros foi preso pelas autoridades. Alegação: curandeirismo. Pressões, naturalmente, advindas dos meios eclesiásticos e policiais, que lhe faziam fortíssima oposição. Por ocasião de sua última prisão, vendo que Nhô João continuava a fazer suas curas apesar de terminantemente proibido pelas autoridades ( pois continuava a ser procurado pelos necessitados, a quem jamais fechou as portas ), o delegado disse - lhe que registrasse a capela como centro espírita e aí sim poderia continuar curando e benzendo. Foi o que Nhô João fez. As prisões cessaram, mas a campanha contra ele continuou intensa.

O número de prisões coincide com a pesquisa de Tortello, que atribui a informação ao fotógrafo Barbosa Prado, que as teria colocado em forma de vezes.

Há referências ainda a um fato relevante: as autoridades policiais fecharam a capelinha no ano de 1913. As pressões intensas fizeram com que Nhô João fosse processado por curandeirismo. Mas ele foi absolvido pelo Juiz Rodolfo Ferreira Santos e a igreja foi reaberta. Segundo Nelson Casagrande Júnior, perito da Polícia Técnica, o inquérito simplesmente desapareceu.

Apesar de tudo, João de Camargo prosseguia fazendo o bem. Seus remédios eram simples folhas e água fluidificada. Na realidade, o que curava mesmo era a fé, e isso João de Camargo fazia questão de deixar claro aos que o procuravam. Sabe - se atualmente, por experimentos científicos ( sugere - se a leitura da revista Isto É, edição de 31/05/98, página 142 ), que a fé é uma poderosa aliada do homem, com reflexos positivos inclusive no corpo físico, estando provado que quem tem verdadeira fé é mais capacidade a superar doenças do que aquele que é descente. Série de coisas simples: a fé aumenta a autoconfiança, diminui a ansiedade, funciona como calmamente natural. Não tem contra - indicações.

Mas ele nunca obrigou ninguém a fazer nada. Nunca foi procurar quem quer que fosse para oferecer seus trabalhos. Quieto, humilde e discreto, não se furtava a ajudar quem o procurava, tendo suas portas sempre abertas para ricos ou pobres. E, principalmente, fez o bem a pessoas necessitadas e jamais voltou - se contra seus perseguidores, cumprindo ao pé da letra o ensinamento de Jesus Cristo, que manda oferecer a outra face a quem lhe esbofetear. Foi tratado como marginal - coisa que nunca foi - e taxado de curandeiro - quando devia ser chamado de curador, pois de fato curava. Os depoimentos dão conta de que Nhô João, antes de curar o corpo do necessitado, curava - lhe primeiro a alma, repondo - lhe generosas doses de fé em Deus e amor ao semelhante.

Ocorre que a natureza da revelação que foi dada ao ex-escravo não comportava exclusões. Para Nhô João, todas as pessoas eram importantes, mesmo aquelas que o detratavam; em seu estilo simples, cuidava de corrigir, orientar e recolocar no caminho certo aqueles que estivessem fora do rumo da caridade e da solidariedade. Nunca deixou de recomendar aos que o procuravam em busca de auxílio que não deixassem jamais de lado os ensinamentos da Igreja Católica. A fé de João de Camargo era plural, era universal em sua singeleza e simplicidade. 

As mãos que davam a cura eram as mesmas mãos que ajudavam materialmente os pobres, de quem João de Camargo jamais descuidou. Dava - lhes onde morar, o que comer, com que se vestir. A pobreza ali jamais foi envergonhada, mas sim decente e digna. Um de seus grandes aliados, segundo o trabalho de Alcir Guedes, foi o Capitão Grandino, que comparecia com auxílio material, doando tijolos e outros materiais de construção, utilizados na edificação da capelinha.

   
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